

MARA RÚBIA: A LOURA INFERNAL


SINOPSE
“Nunca houve uma mulher como Osmarina. Quem não concorda com isso certamente não está ligando o nome à pessoa. Osmarina é o nome verdadeiro de quem ficou conhecida por todo o Brasil como Mara Rúbia. Sua popularidade veio de sua arte. Mara Rúbia sabia descer uma escadaria de salto alto como ninguém. Era mestre no improviso em números de plateia. Tinha um corpo escultural. Mara Rúbia brilhou no teatro de revistas, um gênero que teve seu apogeu nos anos 40 e 50 do século passado e ao qual ninguém se dedica mais. Portanto, nunca mais haverá uma mulher como Osmarina.” Arthur Xexeo.
Dizem que no Brasil a gente mira num alvo e acerta outro. Principalmente as mulheres. Vejam só: a jovem Osmarina sonhava com o amor; um “até que a morte os separe”, família tradicional e função doméstica. Viveu para isso até se decepcionar com as traições do marido e o desprezo do amante! Qual mulher não se reinventa após um baque? Fugiu do Pará com um dos filhos – o mais velho – para buscar emprego no Rio de Janeiro, mesmo temendo o vaticínio dos parentes: "vai terminar prostituta no mangue". Reza a lenda ser comum às paraenses fora do padrão, na época, “pegar um Ita no Norte e vir pro Rio morar”. Aqui, topou com a frase que mudaria sua trajetória: “precisa-se de girls”, dizia o cartaz. O cachê a atraiu para um teste com o grande empresário da Revista brasileira, Walter Pinto. O resto é história. Tornou-se Mara Rúbia, grande vedete dos anos 1940 e 1950, atriz e comediante versátil que conheceu fama, glamour e decadência, foi arrimo de família e ideal de liberdade feminina, quando o que só queria mesmo era um amor tranquilo...
Essa história um tanto irônica inspira o presente projeto, dedicado a rever, por meio de uma obra dramatúrgica, um mito da cultura teatral brasileira e seu sentido para artistas mulheres na atualidade. Seria essa mais uma história como a de tantas outras vedetes que conheceram fama e morreram esquecidas? O que hoje interessa recontar da mulher que sonhou ser dona de casa e acabou virando estrela maior do teatro nacional?
Tramada ao avesso dos sonhos hoje mais evidentes, a história de Mara Rúbia interessa-me por motivos não raros. Personagem construída entre Rio de Janeiro e Pará, Mara Rúbia é figura importante aos estudos teatrais com recorte de gênero, aos quais se ligam os projetos desenvolvidos por mim, desde 2007, na Bonecas Quebradas Teatro, produtora especializada na criação de projetos em teatro feminista.
Como atriz, produtora, dramaturga (e, em um único caso, diretora), dedico-me desde então à elaboração e desenvolvimento de projetos teatrais, como O Chá (texto colaborativo sob minha direção - 2007-2008), comédia sobre papeis de gênero na sociedade carioca, As Polacas – flores do lodo (texto e direção de João das Neves - 2011-2013), drama musical sobre exploração sexual e tráfico internacional de mulheres, Bonecas Quebradas (criação coletiva com direção de Verônica Fabrini - 2014-2016), espetáculo de teatro documentário sobre feminicídio na América Latina, Desmontando Bonecas Quebradas (texto colaborativo e direção de Ysmaille Ferreira - 2017-2019), desmontagem do espetáculo anterior, e Memórias de uma Manicure (texto de Cecília Ripoll e direção de René Guerra - 2021-2023), comédia sobre trabalho subalternizado e amor entre mulheres.
A história de Mara Rúbia permite, desta vez, um olhar para a coexistência de múltiplas temporalidades no presente, quando ainda persistem opressões de gênero outrora enfrentadas – e reproduzidas – pela personagem-tema. Não apenas isso.
O etarismo é também assunto relevante, afinal seu envelhecimento coincide com o ocaso do gênero de maior sucesso no Brasil – a Revista –, que, mantendo cada vez menos resquícios de enredo, deixara progressivamente de falar dos acontecimentos do ano, perdendo seu caráter crítico na mesma medida em que aumentavam os efeitos de cena, a complexidade das coreografias e a sexualização dos corpos femininos (PAIVA, 1991).
Ícone das Artes Cênicas nacionais, Mara Rúbia viveu para o teatro e nele quase morreu; sofreu um enfarte em cena e precisou se reinventar diversas vezes, voltando ao audiovisual, no cinema e na TV, depois de "anos de garrafa", como chamava seu vício em álcool. Venceu-o, mas perdeu um filho para ele. Enfim, teve uma vida cheia de perdas e superações, mas morreu Osmarina Lameira Cintra, reconhecida apenas por um velho baleiro do Teatro Recreio, que compareceu a seu enterro junto aos poucos familiares e artistas mais próximos (BAIÃO; MARÇAL, 2011).
“De porre, e aos prantos, abraçava uma a uma as pessoas. Quando puseram o caixão no carrinho para levá-lo ao túmulo, ele começou a gritar, com os braços estendidos: ‘Não levem a minha boneca, deixem a minha boneca loura’. Sempre chorando e emitindo seu protesto, acompanhou o féretro. Aproximou-se tanto para lançar pétalas de rosa a sua diva que quase caiu na sepultura. Depois, já conformado, balbuciou: ‘Adeus, minha lourinha!’”. Isis Baião e Therezinha Marçal – Mara Rúbia, A Loura Infernal.
O resto é esquecimento. Ela segue incógnita às novas gerações, apesar dos esforços de Ísis Baião e Therezinha Marçal, filha da artista, cuja obra, Mara Rúbia, a loura infernal (Rio de Janeiro: Aeroplano, 2011), nos oferece relatos, informações e imagens às quais nos agarramos num exercício de pós memória (HIRSCH, 2008), no desejo de revisitar sua trajetória à luz das demandas do presente e a partir do recorte que ora se delineia, a saber: o feminino e a cena.
Ficha técnica
Texto: Luciana Mitkiewicz e Isis Baião
Direção: Luciana Mitkiewicz e Gustavo Gasparani
Atriz: Luciana Mitkiewicz
Outros interlocutores: Therezinha Marçal, Ana Cris Colla, Raquel Scoti Hirson, Naomi Silman, Wlad Lima
Realização: Bonecas Quebradas Teatro